DURA - Tá passando batido, mas não despercebido
Há uma semana aconteceu algo um pouco inusitado comigo.
Eu me convenci de que não iria postar, mas pensei melhor e mudei de ideia.
A seguir, narrarei com todos os detalhes a situação que aconteceu comigo:
Na terça passada eu estava indo para um reunião na escola de música e, como de costume, peguei minha bicicleta e fui. Era cerca de 16:30 e eu estava há uns 5 minutos de casa quando percebi uma viatura policial se aproximando e reduzindo a velocidade.
Como já estou acostumado a ser abordado (isso sempre acontece) fui diminuindo a velocidade até que o policial falou de dentro da viatura: "ENCOSTA!".
Eu parei e encostei, então ele gritou: "ALI NA FRENTE!".
Eu andei mais uns metros e encostei, então ele gritou mais alto: "VOCÊ É BURRO? ALI NA FRENTE!".
No mesmo momento percebi que ele estava muito alterado e fiquei receoso, mas fiz o que pediu.
Ele desceu da viatura e logo veio perguntando com o famoso tom ameaçador: "TÁ VINDO DE ONDE?".
Respondi que estava vindo da Bandeira 2 (favela onde moro).
Ele retrucou: "EU SEI! VI VOCÊ SAINDO DE LÁ. O QUE ESTAVA FAZENDO LÁ?".
Apesar de estar ficando incomodado com a maneira dele fazer a abordagem e com a situação em si, pacientemente respondi que morava lá.
Ele começou a dizer que eu estava com "sujeira" (drogas).
Falei que não estava.
Ele insistiu em dizer que eu estava com "sujeira".
Eu insisti em dizer que não estava, mas comecei a ficar nervoso, pois ele cada vez mais se alterava.
Ele disse que iria me revistar e que se eu tivesse com alguma "coisa errada" eu iria "estar fudido".
Serenamente disse que ele poderia me revistar a vontade que não iria achar nada.
Ele começou a revistar meus bolsos e a única coisa que encontrou foi minha identidade, minha carteirinha da faculdade, uma palheta de cavaquinho e uma nota de dois reais surrada e amassada.
Começou a cheirar a nota e disse que não confiava em mim e que era melhor eu dizer onde estavam as drogas.
Falou que iria abrir minha bermuda.
Era cerca de 16:30 e a rua deserta. Havia uma senhora em uma janela num prédio próximo e um senhor lendo jornal como se nada tivesse ocorrendo ao redor.
Fiquei com certo medo, pois sei o que a polícia pode fazer com pessoas como eu quando ninguém está olhando. Fiquei nervoso, indignado e comecei a tremer um pouco.
Ele abriu minha bermuda e a abaixou. Por sorte eu estava com short por baixo. Olhou por dentro da minha cueca. A única parte do meu corpo que não foi revistada foi a parte de dentro.
Senti-me um pouco humilhado. Apesar de ser uma situação corriqueira, nunca havia acontecido algo humilhante assim.
Como não encontrou a tal "sujeira", o policial perguntou se eu já havia rodado (sido preso).
Respondi que nunca.
Ele riu debochadamente e falou que duvidava. Insistiu que eu estivesse com algo errado.
Insisti que não tenho nenhuma passagem pela polícia e que não estava com nada ilícito, já perdendo a postura.
Ele falou que eu estava muito nervoso, então estava devendo.
Respondi: "É lógico que estou nervoso. Vocês me abordam sem o menor motivo, além de eu ser preto e estar saindo da minha casa, que por acaso é na favela."
O outro policial, que até então estava calado só olhando, disse que não precisava ficar nervoso, pois era apenas um trabalho de rotina padrão da polícia.
Perdi um pouco da serenidade e retruquei: "Rotina padrão de vocês é parar preto favelado saindo de casa? Eu estudo e trabalho. Moro na favela não por opção, mas por falta dela."
O policial nervoso falou que eu poderia ir, mas que ia ficar de olho em mim e que uma hora ele ia me "pegar na boa". Antes de partir ele me mirou e disse: "ESTÁ PASSANDO BATIDO, MAS NÃO DESPERCEBIDO".
Eles foram procurar mais um felizardo.
Eu, ainda com tremedeira, montei na bicicleta e fui para a reunião. Pensativo, humilhado e com medo de ser parado na próxima esquina por outra viatura.
Esse é meu relato.
Eu, que adoro postar coisas boas e sempre olhar o lado bom das coisas, sinto-me triste em ter que postar esse tipo de situação.
Depois desse dia eu passei a ter certo medo de andar na rua. Ando desconfiado, sempre com receio de topar com um policial alterado outra vez.
Terça passada ele tira minha bermuda na rua.
Amanhã ele me agride ou me incrimina.
Qualquer dia eu posso ser só mais um Silva que topou com o policial errado e na hora errada.
Qualquer dia minha mãe pode entrar para o grupo extenso de donas Marias e Clarisses.
Qualquer dia eu posso virar só mais uma estrela apagada. Apenas mais um rapaz que tinha o sonho de ser veterinário e sair da favela. Só mais um rapaz preto, pobre e favelado que tocava cavaquinho num grupo de Samba e Chorinho.
Só mais um rapaz...
Acima, eu narrei com todos os detalhes a situação que aconteceu comigo.
Acima, eu narrei com todos os detalhes a situação que acontece com muitos amigos meus.
Acima, eu narrei com todos os detalhes a situação que acontece diariamente com diversos jovens.
Há braços.
Att, Luiz Claudio
